Dos Livros da Minha Vida

Natália Sgalla
5 min readApr 28, 2024

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Para ser sincera, não lembro qual foi o primeiro livro que li, nem quando percebi que tinha gosto pela leitura. Acho simplesmente que fui lendo, lendo e quando me dei conta, o que era hobby tornou-se essencial.

Lembro sim da primeira sensação de gostar de ter lido algo. Foi com o livro chamado “Ludi Vai à Praia”. Na capa havia uma menina de cabelos pretos, vestido azul, no meio de um imenso mar. Ludi viveu algumas aventuras. Quais? Teria que consultar o Google para recordar exatamente!

Outro que marcou minha infância foi “A Velhinha Que Dava Nome às Coisas”. Era um dos livros obrigatórios da escola, mas não lembro se da segunda série com a Tia Alzira ou da terceira com a Tia Denise.

Recordo-me que não entendi este livro, assim, “de primeira”. Minha atenção foi tomada pelas lindas ilustrações, pelas cores maravilhosas daquelas folhas quadradas. Depois que tivemos uma atividade na sala de aula descobri que era sobre perda e solidão. Ficou uma importante lição: não basta só ler o livro! Temos que refletir sobre ele também!

Desta época, não posso deixar de mencionar os títulos da autora Ruth Rocha — meu preferido era “Como se Fosse Dinheiro”. Também lia muitos gibis. Minha mãe trabalhou uma época no Instituto Ayrton Senna e a cada quinze dias, eu recebia os gibis do Senninha, contando suas histórias nas pistas contra seu rival “Braço Duro”. O “Almanacão da Mônica” então, não podia faltar.

Pegava emprestado muitos livros na biblioteca da minha escola. Certa vez, escolhi um fininho, ao acaso, porque gostei da capa roxa e do desenho ao centro. Era a história de uma menina que salvava um prisioneiro de uma torre (creio eu!). Já tentei de todas as formas lembrar qual é o título desse livro, mas nunca consegui! Quem sabe um dia encontro com ele de novo.

Certo dia, a bibliotecária, ao me entregar tal livro, também me deu um pequeno pacotinho cinza: “um presentinho para você”. Um porta incenso, no formato de uma corujinha. “A coruja quer dizer sabedoria”. Tenho ela até hoje em minha estante e quando sinto cheiro de lavanda, lembro-me dos meus tempos naquela biblioteca.

Lá pelos meus dez anos, fiquei viciada em enciclopédias. Sempre que dava, meu pai pagava um valor a mais em seu jornal para conseguir o fascículo daquela semana. Ele nunca me falou “você deve ler isso ou aquilo”, mas eu sempre o vi sentado na mesa da sala debruçado sobre um livro qualquer, então acho que a influência vem daí. Neste período, eu também sempre ia à casa de uma amiga nos finais de semana. Sua mãe havia comprado toda a coleção da Larousse. Brincávamos no quintal, escutávamos música, pintávamos as unhas e, quando ela se distraía com alguma coisa, eu ia ler algum dos volumes vermelhos.

Quando fiz doze ou treze anos, ganhei o livro “Coisas que Toda Garota Deve Saber”, presente de aniversário de uma vizinha que veio à minha festinha no salão do prédio. Um tempinho depois, comprei a sequência: “Mais Coisas que Toda Garota Deve Saber”. Estes dois livros me ajudaram muito naquela época. A linguagem era simples e divertida e os textos abordavam tanto situações como “O que fazer se você estiver gostando de um menino da escola” a assuntos ainda vistos como tabu, como a digníssima menstruação.

Avançamos um pouquinho para o que foi meu último ano do Ensino Fundamental. Tive aula de português com a professora Maria Lúcia. Todos a odiavam, mas era minha professora favorita, pois quando falava das obras que tínhamos de ler, eu conseguia sentir sua paixão. No último trimestre, ela nos passou uma atividade sobre “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.

Fui conversar com ela depois da aula sobre aquele capítulo da Baleia e, de repente, percebi que meus olhos começaram a encher de lágrimas. Ela disse algo como: “pois é, livro faz a gente se emocionar, né?” e foi como uma “chavinha” virando em minha mente. Como se antes de ler Vidas Secas eu não soubesse que as palavras carregam emoções.

Perdi a conta dos livros que me fizeram chorar depois disso. Pessoas no ônibus, na fila do banco, na sala de espera da dentista, perguntaram se eu estava bem. Quando eu respondia que era por conta do livro, algumas me olhavam como que dizendo: “que ridícula” e eu pensava “você não sabe o que está perdendo”.

No Ensino Médio e no cursinho, não havia como fugir das listas dos vestibulares. Li quase todos os obrigatórios e alguns outros por conta própria. Amei Iracema, odiei As Cidades e as Serras e nunca terminei Madame Bovary. Minha sogra na época me emprestava muitos livros também, mas ela nunca conseguiu me fazer gostar de Sidney Sheldon como ela!

No primeiro ano do curso de Direito, comprei livros e códigos comentados, pensando em como eu seria a melhor aluna da sala. Ledo engano. Do segundo para o terceiro ano já estava depressiva. Nada, repito, nada dá mais sono que ler o Manual de Direito Administrativo. Trabalhava na Justiça Federal e quando ia à biblioteca do prédio, não conseguia resistir: pegava um livro de Direito (que penava para terminar de ler) e outros de poesia, contos, que terminava em menos de uma semana.

Comecei a fazer teatro como válvula de escape e aí não teve jeito. Aprendi muito mais sobre a sociedade com Plínio Marcos e Brecht do que com os professores famosos e seus textos infinitos.

Quando decidi fazer intercâmbio, levei muitos livros, inclusive jurídicos. A moça do check-in quis ver minha bagagem antes porque aquele peso não era normal. Achei que ia retornar e ser a melhor advogada do mundo. Outro engano. Deixei todos os livros de Direito com meu amigo que até hoje me fala: “Já mudei de apartamento umas cinco vezes e toda vez me pergunto: o que são aquelas caixas mesmo? Ah, os livros da Nat!”.

Assisti a um TedTalk do educador Ken Robinson em um curso que fiz na terra dos cangurus. Achei muito interessante e comecei a pesquisar mais sobre o palestrante. Mal lembrava que um dos livros escritos por ele estava debaixo de três camadas de poeira dentro do meu armário, presente de um rapaz com quem saí apenas duas vezes e que, para minha alegria, não quis mais me ver.

Posso dizer que este livro mudou minha vida. Deu-me coragem para realizar meus sonhos. Foi por causa dele que decidi fazer o curso de Pedagogia e correr atrás de tantos outros objetivos que quero alcançar.

Depois da Austrália, morei ainda em mais dois países: Uruguai, por um breve período e na Itália, por três anos. Cheguei em Roma pouco antes da pandemia começar. Ficamos todos presos em casa por meses e então usei esse tempo para ler sem parar. Lia de tudo, em línguas diferentes. Meu cérebro quase deu um nó.

Fico triste de pensar em quantas obras deixei para trás em todos esses anos, depois de todas minhas mudanças. Espero que as pessoas para quem doei ou vendi meus livros os aproveitem. De alguns, não vou me desfazer nunca! Serão para sempre meus livros-amantes.

Terminei recentemente “Tudo Sobre o Amor — Novas Perspectivas”, da Bell Hooks. Em uma sociedade cada vez mais fria, desumanizada, desconectada, foi bom encontrar uma obra que me fez relembrar o que é importante: viver sob uma ética amorosa, que nos aproxima de quem nós somos e dos outros, com o melhor que temos a oferecer.

Com certeza, existem muitos outros livros que eu poderia ter mencionado neste texto, os quais fazem parte de minha trajetória. Mas isso não é um problema — muitos outros virão! Nunca vou me cansar de escrever sobre eles e quem sabe um dia, escreverei o meu também.

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Natália Sgalla

Escrevo para entender a mim e o mundo. Escrevo para te inspirar a fazer o mesmo. Blog: nabancadanaban.com