Teresinha

Natália Sgalla
3 min readSep 12, 2022

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Teresinha nasceu num vilarejo de pouco mais de trinta mil habitantes. Foi abandonada numa caixa de papelão perto de um rio enquanto ainda chorava pelo leite nunca recebido.

Cresceu na marra. Aos sete anos, já trabalhava limpando casa das madames na cidade grande. Apanhava quando ainda sobrava um resquício de poeira em cima da mesa. Depois, apanhava em casa por que não havia trazido dinheiro suficiente.

Sua família era ela mesma. Não podia contar com quem havia lhe acolhido. Aquilo não era acolhimento. A não ser por sua avó, que lhe dava algumas balinhas de presente quando sobrava algum tostão, mas que também batia quando ela queria passar mais um tempo com sua única boneca, feita de farrapos velhos e um pouco de algodão.

Virou moça. E queria ser moça. Saía escondido para dançar nas festas da cidade. Quando voltava, tentava não fazer barulho, mas às vezes seu destino a traía e ela apanhava mais uma vez.

Casou-se com dezessete anos e já teve três filhos, um ano após o outro. Seu marido bebia muito e quando a comida não estava boa ou quando ela demorava demais para responder porque estava cuidando dos filhos, apanhava novamente.

Aos vinte decidiu sobreviver. Deixou seus filhos com a sogra, sua única amiga, e mudou-se para Santiago, com um senhor rico, trinta anos mais velho, que acabara de conhecer.

Viveu tempos felizes. Aproveitou cada segundo desta sua nova vida. Mas os filhos do senhor eram contra. Em uma emboscada, viu-se encurralada por quatro homens desconhecidos que a surraram até que ela entendesse o recado.

Voltou para a cidade grande. Voltou a limpar casas. Até que um dia num boteco, conheceu outro. Francês, misterioso, fez de tudo para que ela fosse com ele viver na França. E conseguiu.

Lá arranjou emprego de cuidadora, por mais que seu novo companheiro não quisesse. “Mulher minha não trabalha”, mas ele, desempregado, também não viu outra opção. Ganhava bem e cuidava bem. O filho da senhora era político e este escondia dinheiro pela casa toda.

Um dia, ao desconfiar que uma certa quantia havia sumido, pegou Teresinha de jeito. Puxou seus cabelos, deu um murro em seu olho e a arrastou pela sala. Ficou com medo das consequências e então não fez nenhuma denúncia.

Arranjou outro emprego de garçonete. Com o tempo foi crescendo no restaurante até virar gerente. Juntava um pouco por mês e enviava dinheiro para os filhos que ainda estavam no Brasil.

Com o tempo, o casamento foi esfriando. Com inveja da mulher que ganhava mais, o companheiro — ele não queria se casar — também foi mudando. Primeiro, vinham as indiretas. Depois vinham os xingamentos. Até que um dia, veio o primeiro empurrão após uma discussão sobre o jantar.

Teresinha continuou na relação. Afinal, em sua cabeça, tudo isso era normal. Com fé e dinheiro guardado, conseguiu abrir um pequeno restaurante. Parecia que sua vida estava finalmente entrando nos eixos. Seus sonhos sendo realizados.

A felicidade veio. Mas a ganância também. O companheiro tinha seu emprego, mas estava sempre no restaurante, bebendo os vinhos da casa e comendo quantos pratos quisesse, como se proprietário fosse.

As discussões aumentaram. Às vezes não haviam motivos. Às vezes a inveja estava clara. Não tinha outro jeito. A cada uma delas, um tapa ou um soco sempre sobrava. Até que Teresinha se cansou. Tirando coragem não se sabe de onde, pediu um tempo.

Voltou para o Brasil. A relação com os filhos não era muito boa. Por muito tempo haviam se sentido abandonados e agora, a única coisa que os unia era o dinheiro que ela ainda dava a cada um deles para se manterem.

Certa noite, decidiu sair com suas amigas para um baile de forró. Pediram cervejas e falaram sobre a vida. Dançaram um pouco enquanto Teresinha ficou no celular, distraindo-se com as pessoas dançando ao seu redor.

Até que ele veio. Ninguém o viu entrar. Teresinha levantou-se, mas logo caiu para trás. Foram três facadas. Uma perfurou o pulmão. Enquanto todos tentavam acudir, tentavam estancar o sangue, chamaram a ambulância, mas o tempo era curto. Teresinha apontava com seu dedo indicador o seu coração, até que uma das amigas perguntou: “Me fale o que você quer?” e ela respondeu, agonizando: “Me explica o que é amor?”.

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Natália Sgalla

Escrevo para entender a mim e o mundo. Escrevo para te inspirar a fazer o mesmo. Blog: nabancadanaban.com